terça-feira, 27 de novembro de 2012
"Em um céu, fragmentado, de pequenas nuvens ... de formas várias ... perpassadas por estrelas ... o coelho ... inteiro !!"
domingo, 11 de novembro de 2012
O surgimento da indústria cosmética
Havia inicialmente a
proibição ao desenvolvimento de atividades industriais na colônia, uma vez que
a corte não admitia a possibilidade de seu domínio tornar-se financeiramente
independente. Tal alvará foi revogado quando da chegada da família real ao país,
tendo seu regente optado por medidas protecionistas, sobretaxando bens de
consumo provenientes do exterior. Medida tomada no afã de alavancar o
desenvolvimento industrial de um país com uma economia essencialmente agrícola,
que ainda conservava um regime escravagista, o que impedia a existência de mão
de obra para tal empreendimento, havia carência de um mercado consumidor, que
fosse constituído por trabalhadores assalariados.*
Medidas institucionais e
sobretaxas à parte, o imperador exercia sobre ela, sobre suas células, uma capacidade
cosmética digna de aprofundado estudo. Verdade que trazia-a escrava, cativa de
seus encantos, incapacitada de sequer pensar na possibilidade de qualquer outro
mercado consumidor. A cada vez que se mirava ao espelho a suspiradora podia
constatar o bem que esse homem fazia-lhe, sua pele, cabelos, e por que não
dizer, até sobre o brilho dos seus olhos, dele, tinha a influência. Presa ela
ficara, desde ao primeira troca de olhares, naquele visgo.
Muitas haviam sido as
vezes que ela pode constatar aquela influência em seu corpo. Desde que
encontrara pela primeira vez com os olhos de anzol, havia sentido até no
movimento de seus quadris uma sutil diferença, movia-se agora com uma
sensualidade antes desconhecida, como se todos os seus passos fossem para
encontrá-lo, caminhava lascivamente em sua direção, sentindo o calor daquele
olhar sobre si. A cada vez que seus olhos pousavam sobre ela, renovava-se algo,
efeito a que nenhuma vitamina E podia-se comparar, eliminava radicais livres,
ainda nem descobertos, de forma assombrosa.
Por mais que tentasse fugir desse
contato, e realmente tentara, infrutiferamente, por muitas vezes, não podia
negar o bem que faziam-lhe, seus olhares, sorrisos e indelével presença. Fazia
bem a ele, o exercício, e a ela, aqueles olhos famintos. Ainda podia ouvir-lhe
acariciar os ouvidos, e renovar-lhe o corpo e a alma, ao recitar Neruda, em voz
cálida e rouca ...
“... sin que seas, en fin, sin que vinieras
brusca, incitante, a conocer mi vida,
brusca, incitante, a conocer mi vida,
ráfaga de rosal,
trigo del viento,
y desde entonces soy porque tú eres,
y desde entonces eres, soy y somos,
y por amor seré, serás, seremos.”
y desde entonces eres, soy y somos,
y por amor seré, serás, seremos.”
(Pablo Neruda, Soneto LXIX)
Fazia-lhe bem à
mente, manter-se cativa tinha lá suas vantagens, tanto quanto fazia-lhe ao
corpo, ao despertar-lhe, todos, os
sentidos.
* Agradecimentos à minha amiga Caroline Zanini, pela ajuda na pesquisa histórica.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
... A janela ...
Ao caminhar pelo Paço, inevitável era
não voltar seus olhos à janela, a mesma que por tanto tempo foi garantia da
presença dele. Um vidro aberto e uma luz acesa diziam-lhe, com toda certeza,
que havia alguém ali, que talvez em alguns minutos estivesse caminhando por
entre os passantes ou pela névoa, se houvesse.
Durante uma semana ela havia contemplado
os vidros, a cortina, ambos fechados, além da falta de luz. Fazia-lhe falta não
a luz que, porventura, seria gerada por alguma vela ou mesmo uma lamparina ...
mas a luz vinda daquele olhar. A suspiradora diria-lhe, caso houvesse
oportunidade, ”Senti na pele a falta dos teus olhos.” – frase que viera-lhe à
cabeça ainda naquela manhã e que ela, anotou com letra apressada, para não
fugir-lhe a ideia.
O
(des)encanto havia se abrandado, a (des)coragem já não apresentava cores tão
vivas como há algum tempo atrás, como em tantas outras oportunidades, a
tentativa de colocar um ponto final havia sido infrutífera. Ao ponto que seria
o final, agregava-se como em tantas outras vezes, dois pontos, formando então
mais reticências. Ah ... as reticências ... Que acompanhadas dos demais sinais
de pontuação eram, com o perdão do trocadilho, o ponto alto da história.
Estivera, o imperador, “fora do ar”. Mas
não do mundo e, nunca, fora dela, a suspiradora. Que quando já não mais esperava
por uma resposta, e que tinha visto, em si, diminuir senão quase desaparecer o
prazer e a necessidade de, cuidadosamente, amealhar palavras, sentiu renovada a
inspiração ao ler a resposta que veio bater-lhe à porta. Na verdade, ela precisou
suspirar alguma prosa para elaborar o acontecido anteriormente, recorreu aos
versos de Drummond e suas “Sem-razões” e decidiu-se por compartilhar a narração
do episódio com aquele que o tinha vivido. E veio a resposta, a resposta da
resposta, a réplica, e a tréplica (seria uma necessidade dela ter a última
palavra? Ou seria aquela a tréplica adiada/evitada há quase doze meses, por
receio de forçar uma resposta? Não nos cabe questionar ...).
Conjecturas, faltas de inspiração, (des)coragens
e (des)encantos à parte – não há nessa conclusão, absolutamente, nenhum queixume,
apenas uma constatação e a volta da desejada, e agora festejada, inspiração -,
passou pelos olhos da observadora suspirante uma sombra, não de alguma luz ou
do vento empurrando a cortina, mas de uma (in)explicada tristeza ... ao olhar
... e não ver ...
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
A (des)coragem do imperador e o (des)encanto da suspiradora.
Ele admitiu a falta de coragem, ela tirou
da renda da manga do delicado vestido, um discurso que versava sobre
intensidade de sentimentos, dores e angústias. Talvez tenha sido assim ... ou
não, talvez ela tenha sentido os olhos dele sobre si e resolvido que aquele era
o momento adequado – se é que havia momentos ou locais adequados – de, no
melhor estilo “escuta aqui”, dizer-lhe umas boas.
O imperador, aquele ser que caminha pela
névoa, carregando sobre os ombros o peso de suas escolhas, talvez acredite não
ter direito a doses, ainda que homeopáticas, de prazeres mundanos e enlevos
poéticos. Haverá espaço em sua pragmática existência, para os mesmos devaneios
que povoam o imaginário masculino? Não há como negar, palavras do próprio
protagonista, o que o corpo claramente manifesta, tampouco o que lhe sai pelos
olhos como fumaça esvaindo-se de algo que queima. E queima como a chama que por
tantas vezes se tentou apagar ... inutilmente, vãs tentativas ...
A Suspiradora, metida a
entendedora, já tentara analisar os motivos que o levavam a caminhar pela
névoa, se a solidão, em meio à multidão, seria uma opção ... quiçá. Para
mostrar-se aos olhos ávidos por uma aparição sua, que conferisse aos súditos a
segurança de uma imagem sólida ... e ... só ...
Ela conjecturava sobre onde
andariam a ousadia que perpassara aquele olhar quando por entre frestas, os
intertextos presentes nas mensagens, os significados semi-ocultos nas
entrelinhas e todos os sentidos pelos quais tantas reticências foram habitadas.
Havia nessa relação(?), tal como no
discurso sacado da manga, intensidade(!). Uma intensidade inerente à
Suspiradora, que só sabia sentir se fosse assim, espontâneo, transparente, avassalador,
intelectualmente físico e fisicamente intelectual, sem prescindir de
delicadeza. Céticos duvidariam, cientistas explicariam pelo viés da sinapse,
astrólogos pela combinação astral, esotéricos por forças ocultas, historiadores
pela tradição cultural do ocidente .... e, em algum momento, certamente
apareceria um adepto de alguma teoria da conspiração, afinal, o futuro do
império poderia correr algum risco iminente.
Entre exclamações (dela), suplantadas
pelas interrogações (dele), algumas linhas ou páginas por escrever ... ou ...
simplesmente virar. O que foge a dicionários e regulamentos vários, como não
lembrar Drummond, é o (des)encanto da suspiradora ... e a (des)coragem do
imperador.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
O
imperador caminha pela névoa
O
imperador caminha pela névoa densa, como se contasse os passos, como se
quisesse medir cada milímetro de seu território. Lembra um soneto de Neruda,
Tal vez no ser es ser sin que tú seas,
sin que vayas cortando el mediodía
como una flor azul, sin que camines
más tarde por la niebla y los ladrillos,
sin esa luz que llevas en la mano [...]
ele também carrega uma luz, peró la lleva en sus ojos. Alguém um dia
já dissera que navegar é preciso, mas para ele, indispensável era caminhar.
Foi em uma dessas caminhadas, que quase foi derrubado por alguém que
açodadamente corria. Essa que corria, talvez corresse por necessitar de
velocidade em seus dias ou simplesmente porque agradava-lhe sentir o vento contra
no rosto. E foi sentindo o ar em movimento, que quase o derrubou no dia do
esbarrão, mal conseguindo parar a tempo de evitar que colidissem. Olharam-se. E
sorriram. Naquele dia, ela ainda não vira o anzol que havia em seus olhos, nem
ele sentira os versos presentes nos suspiros dela.
Trilharam por vias e estradas, diversas e adversas até o dia em que seus
caminhos tornaram a cruzar-se. E quando isso aconteceu não estavam sós, embora
o fossem, o que não a impediu de, enfim, sentir sobre si o sorriso contido no
olhar, aliado à curiosidade, de que compartilhavam a respeito um do outro. Não,
não eram inimigos, sequer adversários, mas aquele segundo – ou seria
oficialmente o primeiro? – encontro serviu para que se avaliassem, calculassem
e, amistosamente, medissem o impacto causado sobre seu interlocutor. Ela vislumbrara
o homem no imperador e a mulher em si mesma que viria a despertar, como que
aliciada, pelo visgo que havia no anzol.
“Aliciada, ela foi, vá lá. Mas porque quis, das
delícias ao suplício. Vai ver que achou
que tinha alicerce. E tanto tinha que não perdeu a alucinada lucidez, nem mesmo
na alegria inicial do cio, por mais variados que tenham sido os desvairados
desvãos e os deslizantes desvios.
Claro, teve clima de vertigem, de jogo de
espelhos, cada um mergulhando no outro e se reencontrando filtrado ao inverso.
Explorando verso e reverso nas palavras tontas e nas lavras tantas, pavanas livres
ou nirvanas parvos[...].” *
O
caminhante seguia seu ritmo, enquanto aquela que corria, diminuiu a velocidade
do movimento, agora queria contemplar, já não havia tanta pressa. Contemplaram-se
em festas ou por frestas, entre sorrisos e riscos e descobriram desejarem-se. Um
desejo curioso, de olhar cuidadoso, e para rimar, um afeto ... zeloso.
O homem imperador, que caminha, por
vício ou vocação, vem de longe, quiçá d’além mar. Quais os caminhos por ele
percorridos, por quais mares haverá navegado? Que dores terá provado, que medos
terá guardados?
Vez por outra ela
some na névoa, propositalmente, por cuidado ou delicadeza, intuindo a imperiosa
necessidade dele por isolamento. Além de um peculiar código de comunicação havia
estabelecidos, entre eles, acordos tácitos. Isola-se por
necessidade ou por vontade? Isola-se por preocupação, por proteção, ou mesmo
por solidão.
Algumas vezes, a mulher precisa apressar o passo para aproximar-se quando se estabelece, entre os dois, a distância ou quando se adensa a névoa. Então, para poder alcançá-lo ela, diligentemente, amealha palavras e ... suspira ... versos ...
Algumas vezes, a mulher precisa apressar o passo para aproximar-se quando se estabelece, entre os dois, a distância ou quando se adensa a névoa. Então, para poder alcançá-lo ela, diligentemente, amealha palavras e ... suspira ... versos ...
*(MACHADO, Ana Maria. Alice e Ulisses, Nova Fronteira. 2008)
sábado, 14 de julho de 2012
A nova queixa do imperador
O imperador voltou a queixar-se !
E uma queixa de tal criatura, desacomoda a quem quer que lhe esteja
próximo. A vida de imperador é por demais laboriosa, em meio a tantas
audiências, e queixas alheias. Em sua agenda diária estavam convites para
bailes da corte, compromissos diplomáticos, almoços e ceias obedecendo a um
rígido protocolo estabelecido, colóquios nem sempre agradáveis dos quais
participavam duques, arquiduques e marqueses. Os últimos, de particular importância,
pela localização de suas terras às margens do império, garantia de vigilância e
proteção às fronteiras. Afora isso, atender aos ávidos por ter concedidos
títulos de nobreza. Mas suas atribuições não costumavam causar-lhe dissabor,
atendia à nobreza e ao profanus vulgus
com igual deferência.
Era tarde, quase noite,
quando do encontro. Ele, o imperador, sério, muito sério, havia quase dureza em
seu olhar. Ela, a suspiradora de versos, caminhou em sua direção sorrindo, como
de hábito - o encontro e a possibilidade daquele esperado abraço, eram sempre
motivo de gozo. E foi depois do abraço, singularmente plural, que ele também
sorriu. Olharam-se, conversaram, mediram-se, desejaram-se ... e ele, então,
queixou-se. A interlocutora nada disse, se dissesse, seria com as mãos,
tocando-lhe o rosto, afagando.
Insensível a olhar pro
próprio umbigo, no momento da queixa, ela não deu-se conta imediatamente da
gravidade do incômodo. Depois, sozinha, ao lembrar daqueles olhos, da seriedade
que havia encontrado em seu semblante enquanto caminhava sorridente em sua
direção foi que deu-se conta da
intensidade do desagrado. Não bastasse
sua insensibilidade, ainda pedira-lhe algo que, naquele momento, era
impraticável. Ah as mulheres e suas necessidades, sempre urgentes !!
Dito isso, este narrador
de pretensões oniscientes tem a acrescentar, que o homem atrás do título é
exatamente isso: um homem. E que, embora atenda de forma irretocável às suas
responsabilidades, tem a prerrogativa de, por vezes, desejar não estar onde
está, ou não ser quem é. Sobre a mulher, este que conta a história, entende sua
natureza passional e o rebuliço que os olhos de anzol causam em seus sentidos,
transtornam-lhe, despertam-lhe apetites. Sabe do quanto importam a ela os
sentimentos dele, que preocupa-a vê-lo cansado, desanimado, desencantado; do
prazer com que ela cria e envia-lhe versos, diariamente, como afagos.
Frente a frente, aquela mulher diria
àquele homem, longe dos olhos e ouvidos curiosos da corte e de todas as
demandas que o exigiam: Ah, imperador, meu imperador ... pra ti meus versos,
meus suspiros, meus beijos, meus olhos, meus braços e abraços ... Porque ... de ti ... só
quero ... mesmo ... a ti !!