O
imperador caminha pela névoa
O
imperador caminha pela névoa densa, como se contasse os passos, como se
quisesse medir cada milímetro de seu território. Lembra um soneto de Neruda,
Tal vez no ser es ser sin que tú seas,
sin que vayas cortando el mediodía
como una flor azul, sin que camines
más tarde por la niebla y los ladrillos,
sin esa luz que llevas en la mano [...]
ele também carrega uma luz, peró la lleva en sus ojos. Alguém um dia
já dissera que navegar é preciso, mas para ele, indispensável era caminhar.
Foi em uma dessas caminhadas, que quase foi derrubado por alguém que
açodadamente corria. Essa que corria, talvez corresse por necessitar de
velocidade em seus dias ou simplesmente porque agradava-lhe sentir o vento contra
no rosto. E foi sentindo o ar em movimento, que quase o derrubou no dia do
esbarrão, mal conseguindo parar a tempo de evitar que colidissem. Olharam-se. E
sorriram. Naquele dia, ela ainda não vira o anzol que havia em seus olhos, nem
ele sentira os versos presentes nos suspiros dela.
Trilharam por vias e estradas, diversas e adversas até o dia em que seus
caminhos tornaram a cruzar-se. E quando isso aconteceu não estavam sós, embora
o fossem, o que não a impediu de, enfim, sentir sobre si o sorriso contido no
olhar, aliado à curiosidade, de que compartilhavam a respeito um do outro. Não,
não eram inimigos, sequer adversários, mas aquele segundo – ou seria
oficialmente o primeiro? – encontro serviu para que se avaliassem, calculassem
e, amistosamente, medissem o impacto causado sobre seu interlocutor. Ela vislumbrara
o homem no imperador e a mulher em si mesma que viria a despertar, como que
aliciada, pelo visgo que havia no anzol.
“Aliciada, ela foi, vá lá. Mas porque quis, das
delícias ao suplício. Vai ver que achou
que tinha alicerce. E tanto tinha que não perdeu a alucinada lucidez, nem mesmo
na alegria inicial do cio, por mais variados que tenham sido os desvairados
desvãos e os deslizantes desvios.
Claro, teve clima de vertigem, de jogo de
espelhos, cada um mergulhando no outro e se reencontrando filtrado ao inverso.
Explorando verso e reverso nas palavras tontas e nas lavras tantas, pavanas livres
ou nirvanas parvos[...].” *
O
caminhante seguia seu ritmo, enquanto aquela que corria, diminuiu a velocidade
do movimento, agora queria contemplar, já não havia tanta pressa. Contemplaram-se
em festas ou por frestas, entre sorrisos e riscos e descobriram desejarem-se. Um
desejo curioso, de olhar cuidadoso, e para rimar, um afeto ... zeloso.
O homem imperador, que caminha, por
vício ou vocação, vem de longe, quiçá d’além mar. Quais os caminhos por ele
percorridos, por quais mares haverá navegado? Que dores terá provado, que medos
terá guardados?
Vez por outra ela
some na névoa, propositalmente, por cuidado ou delicadeza, intuindo a imperiosa
necessidade dele por isolamento. Além de um peculiar código de comunicação havia
estabelecidos, entre eles, acordos tácitos. Isola-se por
necessidade ou por vontade? Isola-se por preocupação, por proteção, ou mesmo
por solidão.
Algumas vezes, a mulher precisa apressar o passo para aproximar-se quando se estabelece, entre os dois, a distância ou quando se adensa a névoa. Então, para poder alcançá-lo ela, diligentemente, amealha palavras e ... suspira ... versos ...
Algumas vezes, a mulher precisa apressar o passo para aproximar-se quando se estabelece, entre os dois, a distância ou quando se adensa a névoa. Então, para poder alcançá-lo ela, diligentemente, amealha palavras e ... suspira ... versos ...
*(MACHADO, Ana Maria. Alice e Ulisses, Nova Fronteira. 2008)