quinta-feira, 19 de julho de 2012



O imperador caminha pela névoa

       O imperador caminha pela névoa densa, como se contasse os passos, como se quisesse medir cada milímetro de seu território. Lembra um soneto de Neruda,

Tal vez no ser es ser sin que tú seas,
sin que vayas cortando el mediodía
como una flor azul, sin que camines
más tarde por la niebla y los ladrillos,
sin esa luz que llevas en la mano [...]


ele também carrega uma luz, peró la lleva en sus ojos. Alguém um dia já dissera que navegar é preciso, mas para ele, indispensável era caminhar.

       Foi em uma dessas caminhadas, que quase foi derrubado por alguém que açodadamente corria. Essa que corria, talvez corresse por necessitar de velocidade em seus dias ou simplesmente porque agradava-lhe sentir o vento contra no rosto. E foi sentindo o ar em movimento, que quase o derrubou no dia do esbarrão, mal conseguindo parar a tempo de evitar que colidissem. Olharam-se. E sorriram. Naquele dia, ela ainda não vira o anzol que havia em seus olhos, nem ele sentira os versos presentes nos suspiros dela.

       Trilharam por vias e estradas, diversas e adversas até o dia em que seus caminhos tornaram a cruzar-se. E quando isso aconteceu não estavam sós, embora o fossem, o que não a impediu de, enfim, sentir sobre si o sorriso contido no olhar, aliado à curiosidade, de que compartilhavam a respeito um do outro. Não, não eram inimigos, sequer adversários, mas aquele segundo – ou seria oficialmente o primeiro? – encontro serviu para que se avaliassem, calculassem e, amistosamente, medissem o impacto causado sobre seu interlocutor. Ela vislumbrara o homem no imperador e a mulher em si mesma que viria a despertar, como que aliciada, pelo visgo que havia no anzol.

                                   Aliciada, ela foi, vá lá. Mas porque quis, das delícias ao suplício. Vai ver  que achou que tinha alicerce. E tanto tinha que não perdeu a alucinada lucidez, nem mesmo na alegria inicial do cio, por mais variados que tenham sido os desvairados desvãos e os deslizantes desvios.

Claro, teve clima de vertigem, de jogo de espelhos, cada um mergulhando no outro e se reencontrando filtrado ao inverso. Explorando verso e reverso nas palavras tontas e nas lavras tantas, pavanas livres ou nirvanas parvos[...].” *



       O caminhante seguia seu ritmo, enquanto aquela que corria, diminuiu a velocidade do movimento, agora queria contemplar, já não havia tanta pressa. Contemplaram-se em festas ou por frestas, entre sorrisos e riscos e descobriram desejarem-se. Um desejo curioso, de olhar cuidadoso, e para rimar, um afeto ... zeloso.

        O homem imperador, que caminha, por vício ou vocação, vem de longe, quiçá d’além mar. Quais os caminhos por ele percorridos, por quais mares haverá navegado? Que dores terá provado, que medos terá guardados?
       Vez por outra ela some na névoa, propositalmente, por cuidado ou delicadeza, intuindo a imperiosa necessidade dele por isolamento. Além de um peculiar código de comunicação havia estabelecidos, entre eles, acordos tácitos.  Isola-se por necessidade ou por vontade? Isola-se por preocupação, por proteção, ou mesmo por solidão.
       Algumas vezes, a mulher precisa apressar o passo para aproximar-se quando se estabelece, entre os dois, a distância ou quando se adensa a névoa. Então, para poder alcançá-lo ela, diligentemente, amealha palavras e ... suspira ... versos ...

*(MACHADO, Ana Maria. Alice e Ulisses, Nova Fronteira. 2008)


sábado, 14 de julho de 2012



                                                         A nova queixa do imperador



       O imperador voltou a queixar-se !  E uma queixa de tal criatura, desacomoda a quem quer que lhe esteja próximo. A vida de imperador é por demais laboriosa, em meio a tantas audiências, e queixas alheias. Em sua agenda diária estavam convites para bailes da corte, compromissos diplomáticos, almoços e ceias obedecendo a um rígido protocolo estabelecido, colóquios nem sempre agradáveis dos quais participavam duques, arquiduques e marqueses. Os últimos, de particular importância, pela localização de suas terras às margens do império, garantia de vigilância e proteção às fronteiras. Afora isso, atender aos ávidos por ter concedidos títulos de nobreza. Mas suas atribuições não costumavam causar-lhe dissabor, atendia à nobreza e ao profanus vulgus com igual deferência.

       Era tarde, quase noite, quando do encontro. Ele, o imperador, sério, muito sério, havia quase dureza em seu olhar. Ela, a suspiradora de versos, caminhou em sua direção sorrindo, como de hábito - o encontro e a possibilidade daquele esperado abraço, eram sempre motivo de gozo. E foi depois do abraço, singularmente plural, que ele também sorriu. Olharam-se, conversaram,  mediram-se, desejaram-se ... e ele, então, queixou-se. A interlocutora nada disse, se dissesse, seria com as mãos, tocando-lhe o rosto, afagando.

       Insensível a olhar pro próprio umbigo, no momento da queixa, ela não deu-se conta imediatamente da gravidade do incômodo. Depois, sozinha, ao lembrar daqueles olhos, da seriedade que havia encontrado em seu semblante enquanto caminhava sorridente em sua direção  foi que deu-se conta da intensidade do desagrado.  Não bastasse sua insensibilidade, ainda      pedira-lhe algo que, naquele momento, era impraticável. Ah as mulheres e suas necessidades, sempre urgentes !!  

       Dito isso, este narrador de pretensões oniscientes tem a acrescentar, que o homem atrás do título é exatamente isso: um homem. E que, embora atenda de forma irretocável às suas responsabilidades, tem a prerrogativa de, por vezes, desejar não estar onde está, ou não ser quem é. Sobre a mulher, este que conta a história, entende sua natureza passional e o rebuliço que os olhos de anzol causam em seus sentidos, transtornam-lhe, despertam-lhe apetites. Sabe do quanto importam a ela os sentimentos dele, que preocupa-a vê-lo cansado, desanimado, desencantado; do prazer com que ela cria e envia-lhe versos, diariamente, como afagos.

       Frente a frente, aquela mulher diria àquele homem, longe dos olhos e ouvidos curiosos da corte e de todas as demandas que o exigiam:   Ah, imperador, meu imperador ... pra ti meus versos, meus suspiros, meus beijos, meus olhos, meus braços e abraços ... Porque ... de ti ... só quero ... mesmo ... a ti !!

sexta-feira, 6 de julho de 2012




A m o r   ...   e m   ...   c o n s t r u ç ã o   ...



Quero-te ... tanto ... que chega a doer ... na alma ...
...e já nem cabe ... mais ... em mim ...        

...Indistingue ... entre o que deseja ... o apetite ... e o que sente ... a fome ...
...E mesmo ... na incompletude ... me transborda ...
...Na ausência ... faz-se constância ... e no silêncio ... tropel ...

... estado febril ... mansa ... desordem ...

De olhares furtivos ... desejo velado ... intenções ... insuspeitas !!

Laço ... que cinge ... semântica ... e ... semiótica ...


... (re)significa ... a força ... do anzol ...

...(ele) inspira ... prosa ... enquanto .... (ela) suspira ... versos ...

Abraço ... singular ... de sentido ... plural !!

Ao ver-te ... de mim ... vertem ... versos ...

... vislumbre ... vaga ... vertigem ...

... que antecede ... o que ... (meu/teu) corpo ... pede(m) ...

... metade ... que falta .... vontade ... que sobra.