terça-feira, 31 de janeiro de 2012

      
       "Não me pergunte por que, mas, contrariando minha natureza, precisei ferir, libertar o ser abissal. Batia no espelho, feria a mim mesma naquela ânsia."
       Depois de fazer aquela merda toda, desculpar-se seria, na melhor das hipóteses, patético. Ele saiu batendo a porta e deixando atrás de si os destroços de um furacão tropical. Ela, do alto da arrogância peculiar e tomada por uma fúria incontida quebrou a louça, arrancou quadros da parede, dizimou a coleção de vinis que jazia partida em pedaços espalhados pelo piso, atirou os vasos de plantas, rasgou a suas roupas como se fossem a própria pele. Chutaria o cachorro ou o gato, caso tivesse um. Numa demonstração de passionalidade em estado puro, sentia-se sacaneada pela vida, não era nada pessoal e sabia que, em se tratando de relacionamentos, as sensações prazer e dor são diretamente proporcionais. Mas não aprendia, talvez nem mesmo quisesse aprender, maturidade naquele momento era o que menos tinha importância.
       Bateu-se a porta. Ele saiu. Calado, como sempre. Levava consigo suas dores antigas que recusava-se teimosamente a dividir e alguns poemas, além da dor causada pelo holocausto da coleção de vinis. Não dissera nada, não alterara a voz e sequer os batimentos cardíacos, estivera absolutamente no controle. Controle. Controle. Controle... E isso é tudo o que o narrador tem a dizer sobre a reação dele, não por desconhecer que tivesse lá suas dores, elas estavam todas ali, ensurdecedoramente mudas e o caos instalado era bem maior que o que ficara atrás da porta fechada.
       Ou não, talvez este que vos conta essa história só queira torná-la mais interessante, ou apenas goste de idealizar. Se foi ou não ... Só os protagonistas saberão.

... Só enquanto eu respirar ...

       Ainda prefiro acreditar nas pessoas, não sei se por credulidade ou por ser menos doloroso de encarar. Mas é melhor se pensar que alguém se sente perdido ou confuso, do que simplesmente constatar que as pessoas são filhas da puta por natureza. Até porque, se doa quem quer e pode. Quem recebe, decide o que fazer com isso.
       Habito tudo o que digo de sentido, valorizo demais as palavras pra expulsá-las da minha boca com descaso.
       É o que tem pra hoje, boa noite!!
      

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Adaptação do conto "Dos Palabras" de Isabel Allende

                                                          Duas Palavras

Tinha por nome Belisa Crepusculário não por batismo ou escolha de sua mãe, mas porque ela própria o procurou até encontrar e com ele se adornou. De família tão miserável que nem sequer possuía nomes para dar aos filhos, até 12 anos não teve outra ocupação senão a de sobreviver à fome e à fadiga de séculos.
       Disposta a enganar a morte, decidiu andar em direção ao mar. Chegando a uma aldeia, o vento jogou a seus pés uma folha de jornal, pegou aquele papel amarelado e quebradiço que viria a transformar sua existência. Nesse dia, soube que as palavras andam soltas, sem dono, e q qualquer um com um pouco de manha pode pegá-las para vender.
       Vender palavras tornou-se seu ofício, percorrendo o país, instalando-se em feiras onde montava sua tenda para atender a clientela. Não precisava anunciar sua mercadoria, logo que se sabia de sua presença, formavam-se filas à sua espera.
- 0,05 versos de memória
- 0,07 melhorava a qualidade dos sonhos
- 0,09 cartas a namorados
- 0,12 inventava insultos para inimigos irreconciliáveis
       Também vendia contos, que eram longas histórias verdadeiras, era portadora de notícias entre os vilarejos, juntando sempre à sua volta uma multidão ansiosa por ouvi-la. A quem lhe comprasse 0,50 dava de presente uma palavra secreta para afugentar a melancolia. Cada um recebia a sua, com a certeza de que será única.
      Um dia, enquanto vendia argumentos de justiça a um velho que solicitava sua pensão há 17 anos, o barulho da feira é interrompido pela nuvem de pó causada pelos cavalos dos homens do Coronel, comandados por Mulato, conhecido pela rapidez de sua faca e pela lealdade a seu chefe.
       Sempre ocupados na guerra civil, os homens do Coronel estavam associados ao malefício e à calamidade, deixavam atrás de si, por onde passavam, destroços de um furacão. Sua chegada à feira provocou uma debandada geral, só permanecendo Belisa Crepusculário que não os conhecia.
- Procuro-a. – Gritou Mulato, os homens a amarraram e a levaram consigo em direção às colinas. No acampamento, foi informada de que o Coronel necessitava de seus serviços. Iluminado pela luz de uma tocha, ela viu a pele escura e os olhos de puma, percebendo que estava diante do homem mais solitário do mundo.
       Cansado de ver o terror estampado nos olhos dos outros quando o viam, queria entrar nas aldeias sob os arcos de triunfo, queria ser eleito presidente e precisava das palavras para seu discurso. Belisa nunca havia recebido encomenda semelhante, mas não ousou recusar-se, o calor emanado da pele daquele homem, o desejo de poderoso de tocá-lo, percorrê-lo com as mãos, apertá-lo entre os braços, a fez aceitar o trabalho.
       Passou toda a noite e boa parte do dia seguinte, amarrada pelas canelas a uma árvore, ora descartando, ora escolhendo as palavras apropriadas para um discurso presidencial. Ao terminar foi levada à presença do Coronel, entregou-lhe o papel e aguardou enquanto ele a olhava, segurando-o com a ponta dos dedos:

- Que merda diz isso aqui? – Perguntou.
- Não sabe ler?
- O que sei fazer é guerra!

       Ela leu o discurso em voz alta por três vezes e, enquanto lia, pode ver a emoção no rosto dos homens da tropa e o entusiasmo nos olhos amarelos do candidato, que tinha como certa sua eleição com o discurso.
- Quanto lhe devo pelo trabalho, mulher?
- Um peso, Coronel.
- Não é caro. – disse ele enquanto pegava o dinheiro para pagá-la.
- Além disso, tem direito a uma prenda. Correspondem-lhe duas palavras secretas.
- Como é isso?

       Ela explicou que, por cada 0,50 que o cliente pagava, oferecia-lhe uma palavra de uso exclusivo. O homem deu de ombros e resolveu aceitar, não querendo ser indelicado com quem o servira tão bem.
       Ela aproximou-se, sem pressa, da cadeira de couro em que ele estava sentado e inclinou-se. Então ele sentiu o cheiro que vinha daquela mulher, o calor de seus quadris, o roçar terrível de seus cabelos, o hálito de hortelã pimenta sussurrando-lhe ao ouvido as duas palavras.
       Ao acompanhá-la até a beira do caminho, o Mulato olhou-a com olhos suplicantes de cão perdido, mas quando estendeu a mão para tocá-la, ela o rechaçou com um jorro de palavras inventadas, que ele pensou se tratar de alguma maldição irrevogável.
       Nos quatro meses seguintes, o Coronel percorreu o país pronunciando seu discurso, encantando cidades e aldeias esquecidas, fascinando seus eleitores com a clareza de suas propostas e com a lucidez poética de seus argumentos. Deixava atrás de si um rasto de esperança que permanecia muitos dias no ar, aquele homem forjado por guerras e cheio de cicatrizes tornara-se um fenômeno nunca visto.

- Estamos indo bem, Coronel. – disse o Mulato ao fim de doze semanas de êxito.

       Mas o candidato não ouviu, repetia as palavras secretas como vinha fazendo cada vez com mais frequência para abrandar a nostalgia, adormecido, surpreendia-se saboreando-as nos momentos distraídos. Sempre que as repetia, evocava a presença de Belisa Crepusculário e as sensações que ela lhe causara.
       Começou a andar como um sonâmbulo e seus homens compreenderam que sua vida se tinha acabado antes de alcançar a cadeira dos presidentes. Um dia confessou a Mulato o motivo de sua perturbação: as duas palavras que trazia cravadas em seu ventre.
       Cansado de ver o chefe definhar, o Mulato partiu em busca de Belisa Crepusculário e encontrou-a em uma aldeia à sua espera. Guardou o tinteiro, dobrou o pano da barraca, pôs o xale nos ombros e, em silêncio, montou na garupa do cavalo.
       O desejo que Mulato sentira por ela havia se transformado em raiva e temor. Aquela mulher lograra com um encantamento o que anos de batalhas não haviam conseguido. Levou a prisioneira ao candidato, diante de toda a tropa.

 
- Coronel, trouxe essa bruxa para que lhe devolva suas palavras e para que ela lhe devolva a hombridade – disse, apontando o cano da espingarda para a nuca da mulher.

       O Coronel e Belisa Crepusculário olharam-se longamente, medindo-se à distância. Os homens compreenderam, então, que seu chefe já não se podia desfazer do feitiço das palavras endemoninhadas, porque todos puderam ver os olhos carnívoros do puma tornarem-se mansos quando ela avançou e lhe pegou a mão.

domingo, 29 de janeiro de 2012

"A noite insone,
o abraço
teu braço
um traço
da espera,
 o compasso.
de cigarros,
um maço.
Murmuro
teu nome
e beijo teu rosto.
Até que o dia
me encontre
vencida
pelo cansaço.
Ainda envolta
no laço."

Único

Cambia el color de los ojos

viejo como los caminos

joven como el  amanecer

intenso como una tormenta

revelador como un rayo

devastador como el fuego

puro como los niños

confuso como el desorden

fuerte como una roca

con la dureza del acero

y la maciez de la piel

lleno de dudas

vacío de seguridad

traicionero como el mar

feroz como el hambre

silencioso como pies descalzos

único como cada día.

Agosto/2011

Então...nova fase da vida. Mt tenho pensado em relação a esse novo tempo que estás prestes a te inserir...ou talvez já esteja inserida né? Nova fase? Nova Kátia? Novo tempo? O que exatamente isso significa e de que forma isso tomará forma? Amiga, fico pensando no deslocamento que tua vida vem passando. Estás saindo de um lugar seguro certo, preciso, de controle para algo tomado de inusitado. Estás mergulhando num mundo que tu não sabe onde vai te levar. Que tu desconhece totalmente de que forma vai atuar em ti. Me parece que uma aventura que não estava planejada e devidamente organizada. Saltar no vazio, uma expressão do Rubem Alves que eu adoro, acho que tu estás nesse momento fazendo isso: saltando no vazio! Que aventura encantadora, cheia de coragem essa de saltar no vazio, de ir em busca de um novo lugar. Amiga, ontem qdfalei contigo senti inveja da tua emoção. Te vi apaixonada por ti mesma. Apaixona por teu sonho. Apaixonada pelo desconhecido! Decididamente te admiro. me encanta poder compartilhar contigo esse sonho. Me encanta tua osadia. Que esse seja o primeiro pulo no desconhecido. Que ela venha tomado de apaixonamentos intensos, loucos e duradouros por ti mesma.


Este foi um e-mail que recebi de uma amiga por ocasião de minha aprovação no vestibular. Lindo, aliás, lindo como ela e nossa amizade. Uma amizade construída com bases muito sólidas, uma amizade que seria, à vista de qualquer um que cogitasse essa possibilidade, improvável.
Esta postagem e a próxima, dedico a ti, minha amiga de alma, idéias e coração. Sei o quanto ser minha amiga exige das pessoas, sou ansiosa, quero dividir tudo, às vezes preciso de muita atenção. E tu, sabes como ninguém me colocar limites, me trazer de volta pra realidade. E sabe também me emocionar, muito, como neste e-mail que me mandaste em um dia muito importante da minha vida. O dia da realização de algo com que tens muita colaboração, foram nossas conversas, teu apoio e incentivo que me impulsionaram.
Mais que qualquer outra coisa, o que quero te dizer aqui é, pelo incentivo, pela parceria, pela amizade, pela sinceridade: OBRIGADO.
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23/01/2012

És música
e eu, letra.
Enquanto fazes vibrar
as cordas do violão,
palavras brotam
de lugares, até então,
desconhecidos em mim.
Milhões de borboletas,
de todas as cores,
alçam voo
no meu estômago.
Enquanto tento,
traduzir o indizível."

23/01/2012



La luce que parece venir
de la flor en la guitarra
se traduce en la fuerza y en... el amor
con que tus manos
hacen vibrar sus cuerdas.
Y en brillo que producen
tus negros ojos al tocarla.
Tu guitarra y vos
Tu ser transcende .

20/01/2012

"Vejo poesia nos teus olhos.
Com versos contidos
e uma métrica própria.
Em que cada palavra não dita
habita de sentido
... a força do que calas."
.............

“Quem não sabe ler nas tuas entrelinhas
não merece passar do prefácio e alcançar o primeiro capítulo
do livro que escreves
a partir das tempestades que te atormentam.
E que, permeadas por uma delicadeza e doçura indizíveis
tornam o conjunto da obra
um clássico da literatura.”
 
       Faltavam exatamente 21 dias para que o ano acabasse, diferente daquela relação que me aprisionava. Ela, a relação, já havia acabado, esgotado todas as suas possibilidades há muito tempo, tanto tempo que nem saberia precisar exatamente. Talvez tenha terminado mesmo antes do início, se é que houve um. Hoje tudo me parece muito confuso, até minha decisão anos atrás de tomar, racionalmente, e foi exatamente isso: racional, totalmente desprovida de paixão, a decisão de unir minha vida a de outra pessoa.

       Constatar que talvez a única decisão totalmente racional que tomei em minha vida tenha me levado a um limbo, onde fiquei por 18 longos anos, em que me esforcei para que desse certo, em que depositei sonhos, expectativas e construí uma zona de conforto onde me escondi do meu próprio olhar, não me leva a pensar que fracassei ou fracassamos na relação, mas que, realmente, necessitava desse aprendizado. Na mala que trago dessa viagem insólita, não há lugar pra ressentimentos ou mágoas, não, quero tudo novo inclusive eu, eu nova, insegura, com medo, apavorada com esse novo mundo que se apresenta aos meus olhos e sentidos.

       Abandonar a zona de conforto, a princípio, não me pareceu tão assustador como tem se mostrado ser. Mas essa necessidade de arriscar, de surpreender-se a cada dia, de não ter certezas absolutas ou garantias de nada é que faz com que muitos abram mão de uma rotina estabelecida e totalmente previsível. O que não torna essa jornada tão assustadora menos necessária, tão vital para entender que deixar que o medo paralise pode ser a melhor maneira de se virar um  mero expectador da vida.

        Expectador no sentido de ser aquele que guarda as melhores roupas pra uma festa que nem sabe se vai ser convidado, economiza palavras para um discurso que nem sabe se terá oportunidade de fazer, e seus melhores sentimentos para um amor se nem sabe se vai viver. O expectador, em sua ânsia por colecionar certezas,  le livros escritos e protagonizados por outros, alimenta-se do que os protagonistas comem, mas sem realmente sentir o sabor do que é servido, sem ter a menor participação sobre o roteiro de seu próprio destino.

       O protagonista, ao contrário do outro, não vive a mansidão dos dias e rituais diários previsíveis, pelo menos nem sempre. Ele não vive anestesiado, prefere sentir as dores na carne, com os olhos bem abertos e o coração aos saltos, ele assume a autoria de seu discurso e suas conseqüências, sem esconder-se atrás das fórmulas prontas.  Não há só glórias na vida do protagonista, ao contrário, as perdas e os danos causados por estas é que trazem todo o glamour a esse papel, importantíssimo.

       O glamour de que só quem tem a coragem de sair em busca do desconhecido, do improvável, tem o prazer de desfrutar e, ainda assim, nem nos piores momentos de solidão, nem por um segundo sequer se arrepende de ter se decidido a descobrir a dor e a delícia de ser quem é, apesar do gosto amargo que isso possa trazer.