Na esteira de queixas que parecem
estar muito em voga no momento, alguém mais queixou-se e, por seu caráter
passional, foi praticamente uma queixa sapateada, com direito a franzir de
cenhos e espichar de beiços, coisa de menina caprichosa. Fotos, se houvessem,
teria rasgado a todas, quebrado espelhos, devastado a cristaleira e dizimado a
floreira do quarto em que brotavam inocentes lilazes.
Não era admissível que tanto
tempo dedicado a tão elaborada missiva, não tenha movido o destinatário a
esboçar ao menos um sinal de desagrado que fosse! Faltava—lhe, à remetente, uma
reação por parte do interlocutor, o silêncio havia se traduzido em indiferença,
descaso, era o que lhe parecia. E no silêncio, ecoavam mais que suas intenções
ao enviá-la, flutuavam soltas as palavras tão meticulosamente escolhidas, e
todo o sentido de que eram habitadas.
O ato de escolher palavras, para
alguns, pode parecer mero agrupamento de signos, compostos por significado e
significante, resultado de uma sinapse, simples assim ! Mas não para quem se
debruça sobre o papel, e mais do que escolher palavras, abre sua memória sensorial
em um esforço motivado pelo simples desejo de encantar através de significados,
mostrar com aquelas palavras que está ali, inteira, intensa, despida de véus,
esperando apenas por um gesto. Mas o gesto não vem, e ela não sabe, ela nunca
sabe o que esperar, talvez o interlocutor o faça propositalmente, por pensar
que assim não se compromete e, consequentemente, consiga manter-se intocado, em
uma posição confortavelmente distante. E cabe perguntar se o preço pago por
essa intangibibilidade vale, se manter-se em uma posição confortável, mas não
desejável não é caro demais. É bem possível que a intensidade o assuste, o
desconhecido sempre causa desconfortos.
Ela, por sua vez, também teme,
acredite! Seus temores são de natureza diferente, mas teme. O pior de todos os
medos é o de não saber nada do que se passa nos porões tão bem guardados e a
que ela não tem acesso, não poder enxergar com clareza as coisas que acontecem
à sua volta. Entende todos os riscos a que o outro está exposto por ser uma
representação imagética, e isso acredita
ter deixado muito claro.
Em uma atitude totalmente desmesurada
ela rascunha um bilhete em que diz: Não acredito que venha alguma resposta, não
alimento mais expectativas. Tudo mentira, mecanismo de autopreservação, espera sim, embora dissimule não acreditar, como ela espera ! A ideia
de querer tanto, mas tanto, e pensar que não era desejada com a mesma intensidade
era-lhe insuportável, doía-lhe até os ossos. Cobra-se, então, uma atitude que
ponha fim a essa angústia, a toda essa incerteza que a encanta intelectualmente
mas que, fisicamente, a fadiga e só o que consegue é articular um enunciado
patético: se não for como eu quero, então não brinco mais !
Passados alguns dias, ela pega,
cheira, toca aquele pequeno objeto deixado em um cinzeiro qualquer, e que já
esteve entre os lábios dele e é como se o tocasse, se o sentisse próximo e
tenta racionalmente explicar o quanto aquela surreal atitude é ridícula,
absurda. Já questiona se o que escreve são sandices criadas por alguém que
deixa-se dominar pela atração intelectualmente física mais forte que já
conheceu ou trata-se apenas de algo fisicamente intelectual que, ignorando os
riscos inerentes a envolver-se com alguém que, sabe-se lá por que motivos,
esconde-se por trás de uma atitude blasé e consegue distanciar-se da tempestade
de sentimentos controversos pela qual é atravessada.
O quanto custa-lhe não brincar
mais, ela sabe. O quanto os versos, a perspectiva de uma rima, o anzol ao qual
a isca oferece-se natural e instintivamente, o cheiro que é mais que sentido, é pressentido por uma memória sensualmente
desenvolvida, o caminhar por um lugar que remete a um abraço no qual pode-se
sentir que ambos tremem ante à limitada proximidade, e um roçar de lábios
furtivo, mas intencionalmente calculado, o estar lá somente pela possibilidade
de ser despida, ainda que somente pelo olhar, lhe farão a falta mais
incoerente, absurda e insuportável que jamais imaginou sentir.
Fato, é que naquele momento em
que imbuída do que considerava seu melhor – arranjar cuidadosa e meticulosamente
as palavras, além de dotar-lhes de sentidos plenos – sentira-se ignorada,
desprestigiada. Ah mulherzinhas e seus hormônios capazes de colocar em ebulição
o mais tranquilo dos ambientes !!! Pensam em saídas dignas e honrosas que
legitimem sua reputação de bem resolvidas e fortonas, empinam seus narizinhos
independentes e rugem bem alto que aguentam o golpe, independente da força
desferida. Que o importante é que ninguém saiba o que lhes vai por dentro, nada
que um cuidadoso make-up não esconda, ainda que o azul-marinho e o vermelho
formem uma combinação capaz de esmorecer qualquer decisão que, acredita-se, tenha sido
racionalmente tomada.
Nem sempre o que ela espera é uma
resposta elaborada, quer coisas simples como um cheiro, um toque, uma mão que
pode sentir tremer quando se aproxima o abraço, um olhar onde mergulha e perde
a noção de onde está e de quem é, ou até mesmo quaisquer “...” que
aparentemente inocentes, dizem muito para quem desenvolveu, tacitamente, sofisticado
código.
Beiços espichados à parte, vislumbra-se
agora a birrenta, que por instantes sapateou de tão danada que estava, olhar
pra cena que fez e sentir-se tão despropositada, injusta, desmedida nas atitudes,
olhar de longe ... o que, ainda, deseja ter perto.
3 comentários:
Combinar palavras é dar sentido ao nada.
GK
que coisa bem boa te ler Katia.
florescem os sentidos em cada curva da construção literária.
Kátia,
O amor – numa excelente representação imagética – consta nas entrelinhas de seu texto.
Abraço.
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